24.5.13

Assalto à Serra de Alvaiázere


É um título figurado, inspirado num filme que muitos de nós conhecem e que já viram vezes e vezes sem conta. Mas este é outro filme, real, passado em Alvaiázere, o qual conta igualmente com várias sequelas. Desta vez a acção passa-se na Serra de Alvaiázere, essa serra que conheço tão bem e que já percorri a pé de lés a lés, vezes e vezes. 
Já há alguns anos que venho a alertar sobre este "assalto" à Serra de Alvaiázere, ao seu património, deixando aqui um desses exemplos:



Já em 2012, mais precisamente em Setembro, tive o privilégio de ser entrevistado pelo programa Biosfera (da Farol de Ideias), da RTP2, uma referência em temáticas ambientais. Nessa entrevista tive a possibilidade de demonstrar a todo/as o erro crasso que é este projecto de hotel para uma área supostamente protegida. Há alternativas, mas estas nunca foram ponto de interesse, partiu-se sim logo para a ideia de um elefante branco, custe o que custar, que nem capricho. Tem-se um discurso político (Paulo Morgado) em que à frente da imprensa se diz que se deve aproveitar o que já existe, em termos de edificado, mas depois, nas costas da imprensa, os factos são outros, betão, betão e mais betão.
Indo então aos factos:


Este artigo 20º tem a ver precisamente com aquilo que poderia permitir a construção de um hotel na Serra de Alvaiázere. Apesar de no PDM actual existir um espaço pensado, há mais de 15 anos, para uma estalagem, a qual nunca foi construída, este mesmo espaço não permite o projecto de hotel que de forma desesperada andam a tentar aprovar. É um projecto megalómano e completamente desajustado para aquela área protegida. Toma-se a coisa já como aprovada, mas afinal muita água irá ainda correr por debaixo da ponte...
Como este artigo 20º não permite a construção de um hotel, a Câmara Municipal de Alvaiázere está a tentar alterar tal artigo, moldando-o ao projecto, facto inaceitável em termos de ordenamento do território, esse bicho do qual Tito Morgado tão amigo se dizia em campanhas eleitorais. A edilidade refere que não é preciso um Plano de Pormenor, tal como previsto no PDM, pois diz que isso atrasaria os trabalhos. Diz também que a cartografia tem imprecisões, as quais justificam as alterações propostas.  
Um dos pontos mais estranhos neste projecto quase secreto, é o de que apesar desde processo de participação pública estar a decorrer desde o dia 3 deste mês, este apenas na última segunda-feira foi publicitado no site da Câmara Municipal de Alvaiázere. Isto é interessante, pois o facto de apenas na última semana de discussão pública ter sido publicitado na internet, impediu que a quase totalidade das pessoas interessadas em participar no processo pudessem ir à Câmara Municipal de Alvaiázere consultar o processo, pelo menos as que são contra. Há coincidências curiosas, isso há...
Já não é a primeira vez que surgem situações que, na minha opinião, se afiguram como que uma tentativa de limitação de participação de cidadãos que são contra tal projecto. A situação que atrás refiro será motivo de reclamação na entidade própria.
Mas não é tudo...
Um dos pontos principais, no qual a Câmara Municipal de Alvaiázere sustenta a necessidade de alterar (diga-se aumentar a área prevista...) a área de implantação de tal projecto, é o facto de haver incorrecções na cartografia. Ora, isso é falso, já que utiliza-se cartografia sem validade legal para sustentar as aspirações do projecto. Ou seja, em vez de se utilizar a carta de ordenamento, único documento válido, utiliza-se uma shapefile que apesar de resultar da vectorização da mesma carta de ordenamento, não tem quaisquer validade legal, mas apenas indicativa. É curiosa esta inocente omissão. Só consegui detectar esta questão porque, curiosamente, fui eu que vectorizei as cartas do actual PDM, sabendo portanto como são as coisas em termos técnicos. É um erro grosseiro e é a partir deste mesmo erro grosseiro que a Câmara Municipal de Alvaiázere sustenta indevidamente a sua posição, no que se refere a esta questão específica. Não gostaria de pensar que esta poderia ser uma tentativa de manipulação cartográfica, tal como acontece por este Portugal fora. Não se pode justificar os factos na base de falsos pressupostos
Mais ainda, qualquer projecto de estalagem para aquela área deve ser impedido, pois as condições actuais assim o obrigam. Quando o PDM entrou em vigor esta área não era protegida e agora é, é simples e não custa entender. Faça-se sim um hotel numa quinta histórica de Alvaiázere.
O documento de justificação da alteração, apresentado pela Câmara Municipal de Alvaiázere é tudo menos justificativo, pois, na minha opinião, não apresenta factos imparciais, fundamentados e sérios do ponto de vista técnico. Recorre-se sim a termos pomposos, constrói-se um cenário onde os actores principais são a demagogia e o populismo. Todos estes, e outros pontos, foram debatidos no documento que enviei hoje para a Câmara Municipal de Alvaiázere. Lamento apenas que aquele esquecimento, diga-se de passagem muito conveniente, tenha levado a que eu e muitos outros não tivéssemos a oportunidade de ir consultar todo o processo nas instalações da Câmara Municipal de Alvaiázere.
Por tudo isto e por muito mais, considero que aquele projecto nunca poderá ser aprovado, a bem do património. Há todo um processo muito pouco claro por explicar, algo de incompreensível numa sociedade supostamente democrática...
Fica uma questão essencial, para reflexão, como pode um projecto que além de não ter cabimento no PDM e não estar aprovado, ter já financiamento comunitário? Como pode isto acontecer, sabendo também que parece que existe um empresário nortenho interessado, o qual teria apenas de investir 1 milhão de euros, pois os restante 5 seriam pagos com fundos comunitários? Para que serve a União Europeia, se por um lado promove a Rede Natura 2000 e depois dá fundos para projectos que colidem com esta mesma Rede Natura 2000?
E não, não tenho receio algum de estar contra este projecto, pois apesar de saber que estou a lidar com interesses poderosos, sei também que tenho muita água para mandar aos seus pés de barro. E esse ponto é bem sabido por estes mesmos interesses. A argumentação que dou, neste caso, é pura água para os pés de barro deste projecto anómalo.
Lembrem-se que o exercício da cidadania não pode nem deve ser limitado seja por quem for. Exercer a cidadania não é apenas um direito, é sim um dever, pois só assim podemos tornar Portugal um país melhor. Desde que o façam como eu, de forma honesta e construtiva (e incisiva, pois claro), não terão problemas neste mesmo país fabuloso que urge proteger e valorizar devidamente!

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